Nota prévia: (actualização de 31 de Janeiro de 2017)
a versão original publicada na íntegra abaixo, incluindo o título original “Por favor, NÃO VÃO aos Passadiços do Paiva”, foi um exercício de ironia que parte dos que se sentiram visados não entendeu. Em resumo e sem ironia:
- um parque natural não é uma feira
- o sucesso não está necessariamente ligado à quantidade
- nem todos têm o direito de ir onde quiserem, quando quiserem, como quiserem: a liberdade de uns termina quando começa a dos restantes
Entretanto, correcções foram introduzidas aos Passadiços. Bem como obras para recuperar os danos de dois incêndios. Por isso, não só é óbvio que vale a pena lá ir como é óbvio que temos muito que fazer para manter ainda mais o património natural.
Que o betão, o plástico e os foguetes, esses há sempre quem financie.
Se você é um perfeito idiota, este texto não é para si. Nesse caso, fique-se pelo título e siga o meu conselho, não vale a pena ir aos Passadiços do Paiva. Se por caso for, não se esqueça de publicar as suas fotos com o hashtag #passadicosdopaiva
Peço desculpa se escrevo este texto ainda na ressaca de ter regressado de uma visita aos Passadiços do Paiva promovida pelos fantásticos técnicos do Arouca Geo Park. Mas a urgência do tema justifica os termos com que o apresento e a necessidade de o ler na totalidade.
Um colossal erro de Marketing
Começo por dizer que é um dos mais colossais erros de Marketing dos últimos tempos. E tenho muita pena de o dizer mas a Câmara Municipal de Arouca é responsável pelo erro e por todas as suas consequências. Imaginem que o que se pretendia seria lançar um novo produto, mas que após o lançamento o produto esgota e a capacidade de o entregar aos interessados é milhares de vezes inferior. Imaginem que se pretendia organizar um jogo de futebol e se permitia a venda de dez vezes mais bilhetes que a capacidade do estádio. O prejuízo desse desastre seria da responsabilidade de quem? Não há desculpa! Se o sucesso do produto é muito maior que o previsto, o erro é tão grave quanto se tivesse acontecido o inverso.
Mas afinal o que são os Passadiços do Paiva?
Bom, verdade seja dita, lendo o site da atração turística (o local é assim classificado no Google e parece-me correto), tudo parece claro: “Bem vindo ao paraíso natural, Arouca, Portugal!”, “Parta à descoberta, a natureza espera por si” e “Preparado? A aventura começa aqui!” parecem ser suficientemente claros para o potencial visitante. Mas vou ser um pouco mais exaustivo e partilhar a descrição completa: “São 8 km que proporcionam um passeio intocado, rodeado de paisagens de beleza ímpar, num autêntico santuário natural, junto a descidas de águas bravas, cristais de quartzo e espécies em extinção na Europa. O percurso estende-se entre as praias fluviais do Areinho e de Espiunca, encontrando-se, entre as duas, a praia do Vau. Uma viagem pela biologia, geologia e arqueologia que ficará, com certeza, no coração, na alma e na mente de qualquer apaixonado pela natureza.” Penso que está tudo dito.
Mas depois chega o Facebook e descamba!
Que merda é essa de natureza?
A natureza é o que o sustenta, seu animal. Você é um animal, a maior parte das vezes racional, a espécie dominante no planeta Terra. Podia explicar aqui o que é um planeta mas quero manter o texto compreensível para a maioria.
Como você, seu animal, há cerca de 9 milhões de espécies de animais no mundo. E não me estou a referir ao seu cão, ao cão da vizinha ou a todos os outros cães, esses são todos uma única espécie. Para além dos animais, há que considerar ainda 400 milhões de espécies de plantas. E não me estou a referir às diferentes folhas de couve do caldo verde. E ainda todo o reino mineral. Isso é a natureza, seu animal.
E onde pode encontrar a natureza?
Bem, essa é a parte fácil. A natureza está em todo o lado, começando nos milhões de bactérias que crescem nas suas unhas e que são responsáveis por uma parte das suas próprias doenças. Por isso, da próxima vez que se preocupar com as suas unhas de gel, lembre-se de lavar as mãos com frequência e deixar de ser uma fonte de contaminação ambulante para si e para quem o rodeia.
Como deve observar a natureza?
Bem, não basta abrir os olhos. Esta parte é muito importante: é mesmo necessário usar os miolos. Os miolos são umas cenas que o people tem dentro da mona e que são mega fixes. Tal como a natureza, os miolos não são facilmente visíveis, mas há imensa gente que acredita na sua existência. Usando os miolos, o mundo é muito mais interessante. O guna de boné virado nem sonha qual é a sua insignificância neste mundo e como um golfinho tem efetivamente mais inteligência que ele (não é uma metáfora). Mas volto já a este tema.
E então isso quer dizer que NÃO DEVE IR aos Passadiços do Paiva?
Sim, NÃO DEVE IR aos Passadiços do Paiva. Os Passadiços do Paiva são uma cena em madeira que nem verniz tem, mega chunga, muito pior que o piso do Shopping. Gastaram milhões em madeira e cenas e nem um único ar condicionado. Dah-ah! São estreitos, mal dá para passar duas pessoas lado a lado sem se roçarem. São demasiado longos e durante quilómetros não há onde o people se sentar e muito menos beber uma geladinha. Não se ouve nada! Vê-se os peixes no rio mas são pequenos que as taínhas da ribeira! Só os outros gunas e só se estiverem próximos! Há bichos e terra e as Nikes ficam todas f… Não se pode fumar, não se pode sair do passadiço, não há onde cagar!
Mas então, não vou voltar?
Mas claro que sim, VOU VOLTAR aos Passadiços do Paiva. Estou a pensar voltar logo que eles sejam reabertos ao público. Ainda não estão encerrados, mas tenho esperança que a Câmara Municipal os encerre muito em breve, pelo menos em 6km do total de 8 km de extensão, deixando apenas 500 metros abertos em cada entrada. Isso deve manter afastados os gunas e as suas mascotes de tetas espremidas e peidas empinadas. Os mesmos que acham mal não se poder fumar no percurso e o fazem às escondidas, e no final lançam o maço vazio no chão. Com sorte, apagam a beata entre as nádegas e não provocam um incêndio. E os pretensos atletas com peso excessivo e camisolas fluorescentes tipo “eu estou aqui, reparem em mim”. E os pançudos e as suas lancheiras de piquenique que alimentavam uma alcateia. Que levam o que lhes apetece, a que depois chamam lixo, e acham mal não haver caixotes. E essa espécie de surdo-crónico que ouve música (ou algo semelhante) como se tivesse esquecido as pilhas do aparelho, que não percebe que é possível que alguém não queira ouvir o mesmo ruído que eles. E os banhistas (ah os banhistas!), tipo que está muito calor e o melhor que há é fazer bombas no Rio Paiva, o mesmo rio que alimenta espécies ameaçadas (o que é isso?). E os donos de cães que acham que devem ser tratados como pessoas e, já agora, tão imbecis como os próprios donos que os levam a tomar banho no rio. Entre muitos outros animais, aqui, claramente fora do seu habitat. Tal como o eucalipto, são espécies invasoras que se caracterizam por impedir o desenvolvimento (e mesmo extinguir) as espécies autóctones.
Voltarei aos Passadiços do Paiva. Serei um invasor cuidadoso. Para poder parar minutos a ouvir o silêncio do Paiva interrompido por um chilrear que me esforço por identificar. Ou o ruído dos seus rápidos entre os xistos e os granitos que nunca se repetem. Ou a perfeição das marmitas de gigante que é impossível serem naturais. Ou o colapso robusto das falhas geológicas. Ou o bater das asas de uma borboleta do tamanho de um pardal. Ou a perfeição microscópica de um casulo de vespa. Ou a elegância de um voo de águia. E tudo aquilo que se pode admirar mesmo quando não se percebe na totalidade.
Se lá forem, por favor, cuidem das espécies nativas e protejam-nas dos invasores. E peçam que publiquem as suas fotos com o hashtag #passadicosdopaiva para ser mais fácil pesquisarmos e partilharmos com as autoridades.
Notas finais
Sem ironia, o projeto é fantástico. Tivesse sido eu o seu autor, gastava mais dinheiro público a vedar as mesmas entradas construídas, de forma a que todos percebam que há uma diferença entre uma área natural protegida e o calçadão da novela. Eventualmente, cobrando entradas: o bolso parece ser um bom regulador da inteligência. E construindo um ou dois parques de estacionamento (os automóveis são inevitáveis). Mas não deixa de ser fantástico. Irresponsável, incompetente, mas fantástico. Acredito que a Câmara Municipal já tenha ultrapassado o choque mas tenho dúvidas sobre ter ultrapassado a fase de negação…
Todas as imagens são verdadeiras. Não exerci qualquer liberdade poética na escrita. Esta foi mesmo a triste realidade. Não acho que um idiota que acha que o Color Run pode ser realizado no interior da Casa da Música perceba o que escrevi, mas conto com a vossa ajuda com partilhas e comentários.
a versão original publicada na íntegra abaixo, incluindo o título original “Por favor, NÃO VÃO aos Passadiços do Paiva”, foi um exercício de ironia que parte dos que se sentiram visados não entendeu. Em resumo e sem ironia:
- um parque natural não é uma feira
- o sucesso não está necessariamente ligado à quantidade
- nem todos têm o direito de ir onde quiserem, quando quiserem, como quiserem: a liberdade de uns termina quando começa a dos restantes
Entretanto, correcções foram introduzidas aos Passadiços. Bem como obras para recuperar os danos de dois incêndios. Por isso, não só é óbvio que vale a pena lá ir como é óbvio que temos muito que fazer para manter ainda mais o património natural.
Que o betão, o plástico e os foguetes, esses há sempre quem financie.
Se você é um perfeito idiota, este texto não é para si. Nesse caso, fique-se pelo título e siga o meu conselho, não vale a pena ir aos Passadiços do Paiva. Se por caso for, não se esqueça de publicar as suas fotos com o hashtag #passadicosdopaiva
Peço desculpa se escrevo este texto ainda na ressaca de ter regressado de uma visita aos Passadiços do Paiva promovida pelos fantásticos técnicos do Arouca Geo Park. Mas a urgência do tema justifica os termos com que o apresento e a necessidade de o ler na totalidade.
Um colossal erro de Marketing
Começo por dizer que é um dos mais colossais erros de Marketing dos últimos tempos. E tenho muita pena de o dizer mas a Câmara Municipal de Arouca é responsável pelo erro e por todas as suas consequências. Imaginem que o que se pretendia seria lançar um novo produto, mas que após o lançamento o produto esgota e a capacidade de o entregar aos interessados é milhares de vezes inferior. Imaginem que se pretendia organizar um jogo de futebol e se permitia a venda de dez vezes mais bilhetes que a capacidade do estádio. O prejuízo desse desastre seria da responsabilidade de quem? Não há desculpa! Se o sucesso do produto é muito maior que o previsto, o erro é tão grave quanto se tivesse acontecido o inverso.
Mas afinal o que são os Passadiços do Paiva?
Bom, verdade seja dita, lendo o site da atração turística (o local é assim classificado no Google e parece-me correto), tudo parece claro: “Bem vindo ao paraíso natural, Arouca, Portugal!”, “Parta à descoberta, a natureza espera por si” e “Preparado? A aventura começa aqui!” parecem ser suficientemente claros para o potencial visitante. Mas vou ser um pouco mais exaustivo e partilhar a descrição completa: “São 8 km que proporcionam um passeio intocado, rodeado de paisagens de beleza ímpar, num autêntico santuário natural, junto a descidas de águas bravas, cristais de quartzo e espécies em extinção na Europa. O percurso estende-se entre as praias fluviais do Areinho e de Espiunca, encontrando-se, entre as duas, a praia do Vau. Uma viagem pela biologia, geologia e arqueologia que ficará, com certeza, no coração, na alma e na mente de qualquer apaixonado pela natureza.” Penso que está tudo dito.
Mas depois chega o Facebook e descamba!
Que merda é essa de natureza?
A natureza é o que o sustenta, seu animal. Você é um animal, a maior parte das vezes racional, a espécie dominante no planeta Terra. Podia explicar aqui o que é um planeta mas quero manter o texto compreensível para a maioria.
Como você, seu animal, há cerca de 9 milhões de espécies de animais no mundo. E não me estou a referir ao seu cão, ao cão da vizinha ou a todos os outros cães, esses são todos uma única espécie. Para além dos animais, há que considerar ainda 400 milhões de espécies de plantas. E não me estou a referir às diferentes folhas de couve do caldo verde. E ainda todo o reino mineral. Isso é a natureza, seu animal.
E onde pode encontrar a natureza?
Bem, essa é a parte fácil. A natureza está em todo o lado, começando nos milhões de bactérias que crescem nas suas unhas e que são responsáveis por uma parte das suas próprias doenças. Por isso, da próxima vez que se preocupar com as suas unhas de gel, lembre-se de lavar as mãos com frequência e deixar de ser uma fonte de contaminação ambulante para si e para quem o rodeia.
Como deve observar a natureza?
Bem, não basta abrir os olhos. Esta parte é muito importante: é mesmo necessário usar os miolos. Os miolos são umas cenas que o people tem dentro da mona e que são mega fixes. Tal como a natureza, os miolos não são facilmente visíveis, mas há imensa gente que acredita na sua existência. Usando os miolos, o mundo é muito mais interessante. O guna de boné virado nem sonha qual é a sua insignificância neste mundo e como um golfinho tem efetivamente mais inteligência que ele (não é uma metáfora). Mas volto já a este tema.
E então isso quer dizer que NÃO DEVE IR aos Passadiços do Paiva?
Sim, NÃO DEVE IR aos Passadiços do Paiva. Os Passadiços do Paiva são uma cena em madeira que nem verniz tem, mega chunga, muito pior que o piso do Shopping. Gastaram milhões em madeira e cenas e nem um único ar condicionado. Dah-ah! São estreitos, mal dá para passar duas pessoas lado a lado sem se roçarem. São demasiado longos e durante quilómetros não há onde o people se sentar e muito menos beber uma geladinha. Não se ouve nada! Vê-se os peixes no rio mas são pequenos que as taínhas da ribeira! Só os outros gunas e só se estiverem próximos! Há bichos e terra e as Nikes ficam todas f… Não se pode fumar, não se pode sair do passadiço, não há onde cagar!
Mas então, não vou voltar?
Mas claro que sim, VOU VOLTAR aos Passadiços do Paiva. Estou a pensar voltar logo que eles sejam reabertos ao público. Ainda não estão encerrados, mas tenho esperança que a Câmara Municipal os encerre muito em breve, pelo menos em 6km do total de 8 km de extensão, deixando apenas 500 metros abertos em cada entrada. Isso deve manter afastados os gunas e as suas mascotes de tetas espremidas e peidas empinadas. Os mesmos que acham mal não se poder fumar no percurso e o fazem às escondidas, e no final lançam o maço vazio no chão. Com sorte, apagam a beata entre as nádegas e não provocam um incêndio. E os pretensos atletas com peso excessivo e camisolas fluorescentes tipo “eu estou aqui, reparem em mim”. E os pançudos e as suas lancheiras de piquenique que alimentavam uma alcateia. Que levam o que lhes apetece, a que depois chamam lixo, e acham mal não haver caixotes. E essa espécie de surdo-crónico que ouve música (ou algo semelhante) como se tivesse esquecido as pilhas do aparelho, que não percebe que é possível que alguém não queira ouvir o mesmo ruído que eles. E os banhistas (ah os banhistas!), tipo que está muito calor e o melhor que há é fazer bombas no Rio Paiva, o mesmo rio que alimenta espécies ameaçadas (o que é isso?). E os donos de cães que acham que devem ser tratados como pessoas e, já agora, tão imbecis como os próprios donos que os levam a tomar banho no rio. Entre muitos outros animais, aqui, claramente fora do seu habitat. Tal como o eucalipto, são espécies invasoras que se caracterizam por impedir o desenvolvimento (e mesmo extinguir) as espécies autóctones.
Voltarei aos Passadiços do Paiva. Serei um invasor cuidadoso. Para poder parar minutos a ouvir o silêncio do Paiva interrompido por um chilrear que me esforço por identificar. Ou o ruído dos seus rápidos entre os xistos e os granitos que nunca se repetem. Ou a perfeição das marmitas de gigante que é impossível serem naturais. Ou o colapso robusto das falhas geológicas. Ou o bater das asas de uma borboleta do tamanho de um pardal. Ou a perfeição microscópica de um casulo de vespa. Ou a elegância de um voo de águia. E tudo aquilo que se pode admirar mesmo quando não se percebe na totalidade.
Se lá forem, por favor, cuidem das espécies nativas e protejam-nas dos invasores. E peçam que publiquem as suas fotos com o hashtag #passadicosdopaiva para ser mais fácil pesquisarmos e partilharmos com as autoridades.
Notas finais
Sem ironia, o projeto é fantástico. Tivesse sido eu o seu autor, gastava mais dinheiro público a vedar as mesmas entradas construídas, de forma a que todos percebam que há uma diferença entre uma área natural protegida e o calçadão da novela. Eventualmente, cobrando entradas: o bolso parece ser um bom regulador da inteligência. E construindo um ou dois parques de estacionamento (os automóveis são inevitáveis). Mas não deixa de ser fantástico. Irresponsável, incompetente, mas fantástico. Acredito que a Câmara Municipal já tenha ultrapassado o choque mas tenho dúvidas sobre ter ultrapassado a fase de negação…
Todas as imagens são verdadeiras. Não exerci qualquer liberdade poética na escrita. Esta foi mesmo a triste realidade. Não acho que um idiota que acha que o Color Run pode ser realizado no interior da Casa da Música perceba o que escrevi, mas conto com a vossa ajuda com partilhas e comentários.